A 4ª turma do STJ, em julgamento nesta terça-feira, 26, reconheceu a impenhorabilidade absoluta de auxílio-doença para pagamento de crédito constituído a favor de pessoa jurídica. No julgamento, conduzido pelo voto do relator Luis Felipe Salomão, o colegiado fixou balizas para a impenhorabilidade de salários e proventos.
O caso, julgado à luz do CPC/73, tratou de execução de dívida de R$ 5.352,80 que, em 2008, alcançava o valor de R$ 18.649,07.
O Tribunal de origem, mantendo a interlocutória de piso, autorizou a constrição de 30% do benefício previdenciário - à época correspondente ao desconto de R$ 305,46 do valor mensal recebido de R$ 927,46 -, destacando que tal percentual preservaria o suficiente a garantir a subsistência digna do devedor e de sua família.
Jurisprudência
O ministro Luis Felipe Salomão lembrou que o regime de impenhorabilidade, seja pelo CPC/73, seja pelo novel diploma processual, já previa exceções à regra restritiva da tutela executiva. E que o STJ vem tentando estabelecer um norte a guiar as mais diversas situações em que se deva autorizar, de forma excepcional, a penhora dos vencimentos (ou verba equivalente) do devedor.
“A jurisprudência da Casa sempre foi firme no entendimento de que a impenhorabilidade de tais rubricas salariais só cederia espaço para situações que envolvessem crédito de natureza alimentar.”
No entanto, prosseguiu o relator, as turmas integrantes da 2ª seção também acabaram estendendo a flexibilização a situações em que se verifique a expressa autorização de desconto pelo devedor, para fins de empréstimos consignados. Explicou o ministro que, nessas hipóteses, na prática, não se trata de penhora - ocorre uma disponibilização voluntária pelo devedor de parte de seus vencimentos, tendo ele renunciado espontaneamente à proteção preconizada.
Por divergência de entendimentos nas seções, a própria Corte Especial recentemente tratou do tema, admitindo o reconhecimento de flexibilização da impenhorabilidade quando a constrição dos vencimentos do devedor não for capaz de atingir a dignidade ou a subsistência do devedor e de sua família.
- Veja o que foi decidido pela Corte Especial.
Impenhorabilidade
No caso dos autos, avaliou Salomão, o benefício previdenciário auxílio-doença enquadra-se no rol exemplificativo do art. 649, IV, do CPC.
“Trata-se, portanto, de dívida não alimentar, não relacionada a rendas percebidas por pessoas naturais pelo exercício de seu trabalho, tampouco a montante devido a título de prestação alimentícia. Por outro lado, também não há notícia de que as somas estão sendo desviadas para entesouramento do devedor, a afastar sua natureza remuneratória.”
De acordo com o ministro, apesar de o acórdão recorrido, aparentemente, estar de acordo com o entendimento do Eresp 1.582.475, da Corte Especial, “não se pode conferir interpretação tão ampla ao dispositivo do julgado da Corte Especial a ponto de afastar qualquer diferença, para fins de exceção à impenhorabilidade, entre as verbas de natureza alimentar e aquelas verbas que não possuem tal caráter”.
“Caso se leve em conta apenas o critério da preservação de percentual de verba remuneratória capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família, estar-se-á, em verdade, deixando de lado o regramento expresso do Código de Processo Civil e sua ratio legis, que estabelecem evidente diferença entre as verbas, sem que tenha havido para tanto a revogação do dispositivo de lei ou a declaração de sua inconstitucionalidade.”
Na avaliação do relator, o legislador foi expresso em autorizar a penhorabilidade das verbas remuneratórias do executado, quando se estiver diante de crédito não alimentar, desde que seja observado o piso de 50 salários-mínimos por mês.
“Assim, a regra geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. poderá ser excepcionada, nos termos do art. 833, IV, c/c o § 2° do CPC/2015, quando se voltar:
I) para o pagamento de prestação alimentícia, de qualquer origem, independentemente do valor da verba remuneratória recebida; e
II) para o pagamento de qualquer outra dívida não alimentar, quando os valores recebidos pelo executado forem superiores a 50 salários mínimos mensais.
Em qualquer circunstância, deverá ser preservado percentual capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família, podendo o executado, a qualquer momento, demonstrar que a constrição de seus rendimentos em determinado percentual ou valor afetará sua subsistência básica ou de sua família, impedindo ou até limitando a penhora por atingir o seu mínimo existencial.”
Em conclusão, o ministro Luis Felipe Salomão assentou que, seja pelo critério do CPC/73, seja pelo CPC/15, não haveria como manter a constrição do auxílio-doença no caso, notadamente por se tratar de pessoa doente. Para S. Exa., "é intuitivo" que a penhora sobre qualquer percentual do benefício comprometerá a subsistência do devedor e de sua família, violando o mínimo existencial e a dignidade humana do devedor.
O entendimento do relator foi seguido à unanimidade na 4ª turma, reconhecendo a impenhorabilidade.